Desde seus primeiros tempos como um grupo combativo de
marxistas que desafiavam os governantes militares do Brasil, o Partido dos
Trabalhadores cresceu para se tornar um dos movimentos de esquerda mais
duradouros do mundo --uma locomotiva eleitoral que dominou a política do país
por mais de uma década.
Mas o Senado do Brasil lhe aplicou um
golpe paralisante na quinta-feira (12), ao votar pela suspensão da presidente
Dilma Rousseff e descartar a organização política que governou o maior país da
América Latina durante 13 anos, o mais longo reinado de um partido eleito
democraticamente na história do Brasil.
"O Partido dos Trabalhadores era
um partido de esperança, mas seus líderes se intoxicaram com o poder e agora
aquela esperança se rompeu", disse Hélio Bicudo, 93, um dos primeiros
membros do partido e ex-deputado que desertou em 2005.
Após uma década de crescente
popularidade, as fortunas do PT foram abaladas por uma devastadora crise
econômica e um colossal escândalo de corrupção que derrubou alguns de seus
principais líderes.
Enquanto milhões de brasileiros
voltavam à pobreza, o partido que havia chegado ao poder prometendo representar
as massas e acabar com a impunidade estava participando do mesmo tipo de
corrupção que há muito caracterizava as classes dominantes do país.
Embora Rousseff não tenha sido
acusada de suborno --seu julgamento de impeachment se baseia em um esquema
orçamentário destinado a ampliar suas perspectivas de reeleição--, escândalos
de corrupção mancharam a reputação de seu mentor, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, o líder do Partido dos Trabalhadores, que a escolheu para
sucedê-lo e pretendia se candidatar novamente em 2018.
Lula ainda não foi acusado de crime,
mas promotores federais estão investigando seu papel em um esquema que envolveu
a canalização de dinheiro da companhia nacional de petróleo para os cofres do
PT.
Uma série de altos aliados de Lula,
incluindo membros graduados do partido, foram presos ou estão sendo
investigados por envolvimento no esquema, que distribuiu bilhões de dólares em
propinas a figuras de todo o espectro político.
Mesmo em um país calejado pela
corrupção política, a queda de um partido antes dedicado à transparência e ao
governo limpo é um fim desanimador que aprofundou a falta de confiança do
público na política brasileira.
Isto também ameaça reverter algumas
das conquistas do partido, uma força política esmagadora que até seus críticos
admitem que ajudou a diminuir a terrível pobreza e a disparidade econômica que
há muito afligiam esse país de 200 milhões de habitantes.
"Que o Partido dos Trabalhadores
tenha se sujado ao se envolver em toda essa corrupção é uma tragédia, talvez a
principal tragédia no que está acontecendo hoje", disse o historiador José
Murilo de Carvalho.
Marcada por cobiça, traição e a busca
de um poder cada vez maior, a queda em desgraça do partido tem todos os
elementos de uma tragédia shakespeariana.
Seu maior protagonista é Lula, 70,
que trabalhou como engraxate quando menino, antes de conseguir emprego em uma
fábrica de parafusos. De lá, chegou à Presidência e conduziu um boom econômico,
deixando o cargo como um dos líderes mais populares do mundo.
A partir dos anos 1970, ele ajudou a
transformar um grupo desordenado de sindicalistas, membros do clero católico
liberal e estudantes idealistas em um formidável movimento político que se
ergueu contra os líderes militares do país.
Formado em 1980, o Partido dos Trabalhadores dispensou o dogma marxista estrito
e adotou um processo democrático para eleger seus líderes.
Lula disputou a Presidência com o
slogan "Terra, trabalho e liberdade".
No final dos anos 1980, os candidatos
do partido ganhavam eleições. Em 1986, Lula foi eleito ao Congresso e dois anos
depois uma candidata do PT conquistou a Prefeitura de São Paulo, a maior cidade
do país. Lula então fixou sua mira na Presidência.
Lula foi uma figura política
improvável, cuja gramática imperfeita e retórica de esquerda assustavam a elite
brasileira. Mas em 1988, depois de três candidaturas sem sucesso à Presidência,
Lula mudou de estratégia. Trocou as camisetas por ternos sob medida e dispensou
o discurso de mudança revolucionária, dizendo que honraria a dívida externa de
US$ 250 milhões que na época emperrava a economia brasileira.
Seu novo slogan: "Lula, paz e
amor".
Em 2002, ele aproveitou a ira popular
sobre a desigualdade econômica e a corrupção rampante para vencer a Presidência
com uma avalanche de votos. As medidas de austeridade que ele adotou e a
demanda crescente por matérias-primas brasileiras ajudaram a endireitar a
economia, mas ele rapidamente achou necessário fazer acordos com o Congresso
brasileiro fragmentado para aprovar sua ambiciosa agenda legislativa.
Para antigos baluartes do partido
como Idelber Avelar, o ponto de ruptura foi quando Lula começou a distribuir
cargos e formar alianças com chefes de partidos de oposição que não
compartilhavam os ideais do PT.
"Isso representava tudo contra o
que o partido lutava", disse Avelar, um acadêmico que deixou o PT há mais
de uma década e hoje vive nos EUA. "Havia várias opções, mas a escolha
inicial foi a política de fazer acordos a portas fechadas."
O compromisso com aliados rentistas
quase derrubou o governo de Lula em 2005, quando um esquema de compra de votos
que pagava a deputados de oposição por sua lealdade foi denunciado pela mídia
brasileira. Lula suportou o escândalo e foi reeleito em 2006, mas ficou
substancialmente enfraquecido pela crise e foi obrigado a fazer ainda mais
alianças para manter seu apoio no Congresso.
Aparentemente inabalada por sua
proximidade com o escândalo, a direção do PT estava secretamente envolvida em
um enorme esquema de propinas com executivos da Petrobras, a gigante de energia
de propriedade estatal. O arranjo, que ficou conhecido como "Lava
Jato", envolvia desviar bilhões de dólares da farta receita do petróleo
para o Partido dos Trabalhadores e seus parceiros de coalizão no Congresso.
O escândalo, que continua se
desenrolando, abalou o meio político do país, com dezenas de executivos
empresariais e líderes partidários presos ou sob investigação.
Alguns dos mais próximos assessores
de Lula estão entre os caídos, mas ele insistiu que não tinha conhecimento do
arranjo. Seus índices de aprovação, antes invejáveis, sofreram um golpe
substancial.
"Nossas maiores conquistas foram
tirar 36 milhões de pessoas da pobreza e promover outros 40 milhões à classe
média", disse Lula em um e-mail esta semana. "Continuamos sendo um
partido que se importa com os pobres e a justiça social."
A menos que ele seja acusado de
crime, muitos analistas políticos ainda esperam que Lula dispute a Presidência
daqui a dois anos.
"Na política brasileira, você
nunca pode jogar alguém embaixo do ônibus e pensar que não vai se
recuperar", disse Alfred P. Montero, autor do livro "Brazil: Reversal
of Fortune" e professor no Carleton College. "Eu observo esses sujeitos
desde os anos 80, e eles sempre parecem voltar." (Texto de Andrew Jacobs, publicado no THE NEW YORK TIMES)
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